Um espaço para partilhar pensamentos, opiniões, gostos e desgostos nas palavras de uma moçambicana descobrindo-se e descobrindo os dias que se sucedem...

terça-feira, 22 de junho de 2010

No chão... Sim, no chão! Ou em qualquer outro lugar... a urgência não costuma ser exigente :0)


O Chão é Cama para o Amor Urgente
O chão é cama para o amor urgente,
amor que não espera ir para a cama.
Sobre tapete ou duro piso, a gente
compõe de corpo e corpo a húmida trama.

E para repousar do amor, vamos à cama.

Carlos Drummond de Andrade, in 'O Amor Natural'

segunda-feira, 21 de junho de 2010







Que prazer olhar para as malas fitando como para nada!
Dormita, alma, dormita!
Aproveita, dormita!
(…)
É a véspera de não partir nunca!
Álvaro de Campos, in "Poemas"


Lembro-me de uma vez em miúda deixar a minha tia querida muito desiludida ao errar a palavra "Portugal" num ditado - escrevera "Portugual". Há muito que aprendera a soletrar correctamente o nome do meu país: M-o-ç-a-m-b-i-q-u-e.
Desde sempre que vivo dividida entre dois mundos.
Costumava ir todos os anos a Portugal, nas férias. Já conhecia o país relativamente bem. Até vivi lá, fui à escola lá durante parte da minha infância. Mas sempre houve algo de diferente entre mim e quase todos os meus colegas, as minhas vizinhas: eu vinha de outro país.
Alguns anos mais tarde regressei àquele país, desta vez para me iniciar  na faculdade. Durante os cinco anos em que vivi em Lisboa vivenciei o mesmo fenómeno por que passam tantos outros que abandonam o seu país de origem: o nacionalismo exarcebou-se. Em terras de outro parece ainda mais importante defendermos a nossa bandeira a todo o custo; de certa forma sentimo-nos representantes de uma soberania distante.
Num de muitos devaneios melancólicos com o meu pai, manifestei-lhe o quanto gostaria de transportar algumas coisas de Portugal para Moçambique, como os concertos, bares e discotecas, transportes minimamente organizados e por aí… E ele disse-me algo que nunca mais poderia esquecer: uma vez que experimentas a vida num segundo país, nunca mais te sentes completa em lado nenhum.
Na altura pareceu-me um pouco descabido: como era, então, possível viver, sem se sentir completo?
Mas o tempo ajuda-nos a aceitar e até a compreender o que antes parecia absurdo.
De regresso a Moçambique e iniciando uma carreira profissional no jornalismo nacional deparei-me com outra dúvida. Pela primeira vez, entendi algo que me escapara durante tantos anos - para muitos eu nunca seria considerada uma “verdadeira” moçambicana no meu próprio país. Porque fui entregue num pacote diferente da maioria, com a pele mais clara.
O “descabido” deixou-me novamente um gosto amargo na boca. Absurdo.
Então de onde sou eu? Se não sou de cá nem de lá? Lá não me revejo e cá não se revêem em mim.
Também desta vez o meu instinto foi defender uma bandeira que também é minha. Lutar. Lutar. Lutar para iluminar. E durante algum tempo cansei-me e frustrei-me.
Mas parei quando percebi que há coisas que temos que aceitar mesmo como elas são. Quando finalmente compreendi que estas coisas da pátria são muito mais complicadas do que um mapa escrito a uma única cor. Compreendi que “pátria” é mesmo aquela que cada um de nós escolhe para si. E o que está entranhado em nós ninguém nos pode tirar. 

sábado, 19 de junho de 2010

Quando é que percebemos que o amor não é um conto de fadas?
Como tantas outras crianças privilegiadas, eu cresci a ouvir histórias de encantar. E assim que comecei a ler por mim mesma, li essas mesmas histórias, ou outras semelhantes. O enredo pouco se altera: um amor proibido em que os amantes devem ultrapassar inimagináveis barreiras antes de viverem felizes para sempre; ou então era uma vez uma donzela em sofrimento que é salva pelo perfeito princípe – e vivem felizes para sempre.
Onde os dignos autores destas histórias da carochinha iam buscar inspiração, não sei. Pois eu ainda não conheci amor que tenha sido feliz para sempre.
Já acreditei piamente que um dia conheceria a minha famosa cara-metade. Um homem com quem soubesse, num único olhar, que iria ficar para o resto da minha vida.
Será que desaprendemos de amar?
As histórias que me rodeiam hoje em dia são histórias de separação, de engano e de mentira. Não vejo donzelas pagando com a vida em nome de um amor, e muito menos princípes renunciando ao trono em troca do amor de uma vida.
A relação monogâmica é uma piada. E quantos entram ainda numa relação a pensar que será para sempre?... Pelo menos não com uma única pessoa.
Ainda hoje ouvia alguém dizer: na casa criam-se as bases, lá fora vai-se “viver”.
Vivo numa sociedade igual à maioria delas por este mundo fora, onde as pessoas se casam porque é assim que deve ser, onde mentem aos parceiros ao lado de quem adormecem todos os dias porque a vida é mesmo assim.
Acredito que alguns não nascem mesmo para a monogamia. Quantas vezes a abraçamos como modelo de vida socialmente correcto, acabando por nos estrangularmos a nós mesmos num emaranhado de mentiras e de “faz de conta”... Em nome de uma boa imagem, da qual nos esquecemos assim que a perspectiva da impunidade e do segredo nos sorriem.
Não digo que a maioria das pessoas não queiram ser monogâmicas, pelo menos em determinados períodos. Especialmente, queremos que nos sejam fieis.